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A ARMADILHA E O CALDEIRÃO

 

Então, ele decidiu ir diretamente com a mão, tocar na campainha do casarão, ensaiar um texto e falar de coração, pois se Lú é de Cris e Zaza irmão, agora também seria do lobo por consideração. Lá chegando, algo inesperado aconteceu. Quando apertou o botão, na verdade uma armadilha apareceu. Ele berrou com a dor que lhe deu.
- Aaaaiiiii, meu Deus!
O lobo foi capturado e todo o plano se perdeu. Sua perna ficou machucada e ele sentiu uma dor que não desapareceu. Profundamente foi tocado na alma, não pela ferida que no corpo se sucedeu, mas pelo fato de que o bem levava, mas foi com o mal que o porquinho lhe recebeu.

Quando ele acordou, estava numa jaula em frente a um caldeirão, numa lareira aquecida a carvão. Lá dentro fervia o caldo de verduras com manjericão. Prenúncio de uma sopa muito gostosa para o anfitrião. Então apareceu o porquinho Lú pelo vão.
- Olá, seu lobinho! Hoje vai ter sopa, mas você é quem será o toicinho! Que tal colocar um pouco de cominho?
Veio uma raiva muito grande no lobo-cordeiro, mas estava impotente para reagir ao porquinho matreiro. Toda a agressividade de sua natureza foi despertada. Mas isso não deu em nada. Lembrou-se, então, das lições que havia aprendido e veio a intuição do que deveria ser dito. Concentrou sua energia no centro da testa, respirou fundo, sentiu e soltou a tensão que não prestava,  que tentava capturar o seu corpo e a paciência que lhe restava. Controlou sua raiva através da respiração e do poder da mente. Quando sentiu novamente a paz no coração, disse suavemente:

- Eu sei, porquinho, não vou ficar chateado.  Há  muitas gerações que você e seus antepassados vêm capturando lobos desgarrados e colocando-os em seus caldeirões, assim ficando empanturrados. É a roda da vida, é o samsāra, ou seja, a repetição da mesma toada. Não precisa que ninguém lhe diga, é uma história muito antiga. Em verdade, porém, te digo que você vive com medo, atormentado e com fadiga. Na solidão de sua fortaleza, no fundo da alma, você chora sempre com a mesma cantiga. Seu mundo é muito pequeno e se resume à sua casa segura, mas um tanto vazia de espiritualidade e de bem-aventurança, cheia de amargura.
- Que conversinha mais irritante! Veja como eu sou rico e exuberante! Sou um excelente construtor e esforçado trabalhador. Muitos me procuram para construir suas casas porque comprometido eu sou e não um mero sonhador.

- A sua riqueza é o ouro dos tolos, da qual está atolado até o pescoço. O que há do outro lado do rio, não é visto a sangue frio, nem mesmo colocando óculos, já que o coração está vazio. Não se trata de negócio, existe riqueza além do que vê os próprios olhos, é só aprender a separar o que é ilusório.

- Naqueles reinos só tem gente pobre e preguiçosa. Um bando de porcos com a mente ociosa.

- Mas eles têm uma riqueza própria de cada ser. Quem está aprisionado na teia do mundo material não pode ver. Eu vim justamente para as boas novas lhe trazer. Você pode reencontrar a felicidade tão querida, buscando a seus irmãos e a sabedoria que foi perdida.

- Esse papo é apenas para me confundir e me enrolar. Eu conheço as suas artimanhas, fui treinado para não me enganar. Suas palavrinhas amolecem o coração, mas não vão me engambelar. Vamos logo para o caldeirão que eu quero lhe devorar!​

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