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Argentina Lopes Tristão: uma biblioteca dos sonhos

Paulo Wenderson Teixeira Moraes
pwmoraes@yahoo.com
988614982
22/07/2021

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“Partindo vêm com fé e esperança, deixando a pátria em sonhos no além mar, viveram lutas e raras bonanças, mas conquistaram assim um novo lar.” Assim começa o hino de Domingos Martins-ES, lembrando da saga dos imigrantes europeus, principalmente alemães, que saíram de sua terra natal, no século XIX, em busca de um novo lar. Nessa época, a Alemanha já era um centro intelectual, científico e artístico reconhecido internacionalmente, com diversas universidades e bibliotecas espalhadas pela região, onde a aristocracia lia fartamente Goethe, Kant e Hegel. Nos teatros se ouvia Mozart, Bethoveen e Wagner. A burguesia se refestelava nos Biergärten. Mas nem todos participavam do clubinho dos príncipes  alemães. Certamente havia um contingente considerável de pessoas que não tinha acesso nem mesmo ao pão, quanto mais ao livro, motivando a aventura "além mar" em busca do primeiro e deixando para os seus descendentes a sorte de encontrar o segundo.

A autora dos versos, Argentina Lopes Tristão, cujo semblante sonhador representa os escritores e escritoras que sonham com um lugar tranquilo para receber a inspiração que vem dos livros, habitou a terra da poesia. Seu nome remete ao país hermano, cuja terra desenvolveu muitos talentos intelectuais como Jorge Luis Borges, eleito unanimemente pelos argentinos prêmio Nobel da literatura. Ele foi diretor da Biblioteca Nacional de Buenos Aires que se localiza num bairro nobre da cidade, a Ricoleta, próximo a jardins e embaixadas de outros países. O prédio imponente abrigou a antiga residência dos Peron, fazendo lembrar que em seu auge econômico, ali habitou o presidente e o centro político do país. Mas o mundo dá voltas e uma nova utilidade foi dada para a construção: proteger a memória da humanidade através do cuidado com os livros e documentos que contam a nossa história.

No saguão principal, tive a oportunidade de pela primeira vez ter um contato mais íntimo com Gabo (Gabriel Garcia Marques), este colombiano vencedor do prêmio Nobel da literatura de 1982. Estava havendo uma exposição sobre sua trajetória. Ali foram plantadas as primeiras sementes do desejo de ler os “100 Anos de Solidão”. Num espaço amplo e favorável para a meditação e o pensamento, para os estudos e o crescimento das ideias fantásticas que não cabem no tempo da vida cotidiana, do comércio e do poder, encontra-se alguma resistência à lógica do "tempo é dinheiro".

Imagino a nossa Argentina de Domingos Martins usando a imaginação fantástica, igual a Borges e Gabo, para projetar em sua mente uma biblioteca num lugar maravilhoso em que um dia escritores teriam as mais delirantes ideias e escreveriam maravilhosas páginas depois de laboriosa meditação nos bancos, nas cadeiras e sob os livros de seu acervo. No seu quintal teria um belo jardim e, pasmem, uma fonte de água pura e cristalina. Nessa paisagem, certamente, um artista local poderia eleger uma bela princesa Psiquê martinense e pintar sua própria versão de "Psiquê na Fonte", rivalizando com o quadro de Alexis-Joseph Mazerolle do século XIX que se encontra no Museu Nacional de Belas Artes da Argentina. Assim como a antiga residência presidencial desse país vizinho, a nossa biblioteca ficaria num lugar central, num palácio digno de um imperador, onde no passado a burguesia desfilava e depositava os seus caros dotes financeiros para saborear breves momentos de deleite. Nesse endereço da fantasia romântica, que cansou das frivolidades turísticas e se rendeu à elegância dos escritores e leitores de livros, a comunidade se refestelou de braços abertos para acolher a memória da humanidade.

Nesse tempo e espaço mágico tão sonhado, que deixou de ser passarela para um outro sempre distante e turista, sonhei livros e músicas. Lá imaginei pesquisas sobre o Amor, sobre o Cúpido, ou Eros da mitologia Grega. Se essa biblioteca tivesse existido, teria projetado a música “Eros e Psiquê” e lançado ela nas plataformas digitais. Foram tantas fantasias com esse lugar encantado que cheguei a cogitar a possibilidade de escrever o romance “Psiquê e as Cartas Mágicas”, só de pensar em estar ali, se inspirando e trabalhando duro na leitura de seus livros. Nesse lugar encantado de uma esquina da imaginação eu teria encontrado facilmente “A Face do Amor” de Ellen Zetzel Lambert e, de sua leitura atenta, teria surgido outra música: “Mas tens Autonomia”. Ainda tenho lembranças inventadas na sombra do jambeiro, em frente à fonte cristalina da inspiração, onde notas no violão flutuavam no compasso do canto dos pássaros que testemunhavam todo esse sonho paradisíaco. E pensar que poderia ter sido nos anéis do jambeiro o primeiro registro datado de uma dança de notas, que bailavam nas ondas do ar dessa atmosfera misteriosa, oferecendo docilmente suas brisas para servirem de meio de transmissão da melodia que resultou na composição dos versos da canção "Pedra Azul".

Um delírio especial seria ter lançado meu primeiro livro infantil "Os Três Porquinhos da Índia" sob os pilares dessa biblioteca mítica, fazendo uma leitura coletiva no salão principal rodeado de crianças praticando Yoga pela primeira vez, sob a proteção dos olhares zelosos de uma infinidade de livros infantis.

Domingos Martins, carinhosamente chamada de Campinho,  é uma cidade maravilhosa na qual pretendo me aposentar. Sua geografia revela um grande campo plano cercado por montanhas, florestas e nascentes. Tem um clima agradável na maior parte do ano. A praça central é um terreno doado pela igreja Luterana, ao lado da qual existe um antigo prédio onde foi construído o hotel Imperador. "Os locatários" apenas tinham o direito de utilizar o terreno cedido generosamente pelos luteranos para a exploração comercial, mas o empreendimento se desgastou sem os investimentos necessários para sua manutenção. Houve um ensaio de venda do terreno por alguém que não detinha a propriedade escriturada. Se o burguês que insiste em fazer essa negociata espúria entrasse na biblioteca municipal de Domingos Martins, poderia encontrar o livro de Goethe "Fausto" e se vacinar contra as artimanhas de Mefistófeles, após deliciosa leitura na varanda que tem vista para a fonte de água e o jardim secreto. Na última página, ele finalmente se arrependeria do dia em que desejou pactuar com o mal. Hoje ali existe um grande projeto de um novo hotel luxuoso, após a deliberação do Estado, que tomou para si a responsabilidade pelo futuro daquele espaço, desenvolvendo o potencial turístico da região, que ainda faz jus ao hino: “Campinho é do verde a cidade e do turismo grácil atração, pois que nos mostra da comunidade, as tradições do povo alemão...”

E tanto tempo depois da aventura dos imigrantes, após muita miscigenação, provas e evidências indeléveis da forte ligação Brasil-Alemanha desabrocham em flor na prateleira de livros alemães: "Dona Flor und ihre zwei Ehemänner"! Durante um sopro da existência dessa bela biblioteca foram plantadas muitas sementes teuto-brasileiras. Só a força de todos os santos para lutar por essa biblioteca que estão ameaçando de morte! Ou quem sabe, um encantado se emocione ao ver um exemplar de Jorge Amado em alemão e resolva, para o seu povo, essa luta pelo patrimônio público brasileiro

Quem sabe um dia, quando a burguesia brasileira se cansar de oferecer seus melhores frutos para o olhar estrangeiro, vivendo apenas para o outro, aquele prédio venha a ser uma bela biblioteca onde nossos filhos possam um dia sonhar com aquele “Jardim Secreto”, aquela fonte das águas cristalinas da inspiração divina e todo aquele silêncio para a meditação, enfim, coisas que podemos fazer em lugares onde o tempo não se resume ao dinheiro. Enquanto ela não se cansa e o mundo ainda resiste a dar a mesma volta que aconteceu na Argentina, vou derramando mais lágrimas no teclado do que o número de palavras que são digitadas, na esperança de que esse sonho de nossa grande Biblioteca Municipal Argentina Lopes Tristão se materialize um dia na terra de Domingos Martins, abençoada no Espírito Santo.

Mas não precisa chorar tanto. As coisas que foram sonhadas lá podem ser acessadas à distância, como a música "Eros e Psiquê" de Paulinho de Moraes que está nas plataformas digitais. Também estão à venda os livros do autor que se inspirou nesse endereço mágico para redigí-los. Esse sonho é real, existe e você pode visitá-lo. Na verdade, esse texto é um convite para o leitor amante dos livros, da cultura e da natureza ir visitar a biblioteca que se realizou no seguinte endereço: Avenida Senador Jefferson Aguiar, 275, centro, Campinho (anexo ao antigo Hotel Imperador). Com jeito, é possível ir até o quintal e encontrar o jardim secreto, no fundo do qual tem a fonte de água mineral e a sombra do jambeiro. Mas não demore muito. A fonte está secando e o jambeiro está ameaçado de tombar na terra. O sonho só ficará aberto apenas até o final do ano, pois um luxuoso hotel tomará o espaço e aí só com muito investimento para acessar o local.

#queremosbiblioteca

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Livros do Autor:

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